segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Poderia se Chamar Labirinto


O amor é um dos sentimentos mais antigos da humanidade. No século XVIII, Álvares de Azevedo  já evocava "Sofrer e amar essa dor..."¹. Mas, afinal, o que é amor? Atualmente, confunde-se amor e desejo, num pensamento totalmente hedonista, que torna esse sentimento efêmero. Imergidos em um contexto visual, nos aproximamos daqueles que aparentemente nos interessam e o "eu te amo" é conjugado vulgarmente na boca de qualquer um. Cultua-se, desde os séculos passados, padrões de beleza impostos por diversos fatores, como cultura e formação social, antes divulgados por imponentes esculturas de Vênus e hoje estampados em qualquer meio de comunicação. Esse padrão, conforme a região e sua história, varia da total devoção ao tornozelo cuidadosamente exposto pela vestimenta árabe ao culto à mulher super-siliconizada norte-americana. Seja qual for o país ou cultura, cada padrão estético autoritariamente submete a sociedade a exigências inalcançáveis que anulam a subjetividade do belo e até mesmo do amor. Montesquieu afirmou em "Ensaio Sobre o Gosto" que os encantos se encontravam mais no espírito do que no rosto, porque um belo rosto se mostra logo e não esconde nada, mas o espírito apenas se mostra gradualmente, causando surpresa e criando intensas paixões. Entretanto, a paixão intensa é jogada à total banalização e hoje o amor deixa a desejar para muitas pessoas. Há algumas semanas, no programa Saia Justa, as apresentadoras discutiam um novo tipo de rede social: a rede social da traição. Ela tem o objetivo de facilitar a relação extra-conjugal e no Brasil, segundo o site da Veja², mais de 500.000 usuários  (70% homens) utilizam o serviço, que garante que seus usuários jamais deixem rastros. Um dos entrevistados, que participa da rede, afirmou "Busco uma história passageira. Não pretendo me separar, pois tenho um carinho enorme por minha mulher e nosso filho". Até a traição foi banalizada. Para mim a definição de amor se aproxima da música "Não deveria se chamar amor" de Paulinho Moska, ou seja, é reconhecido em sua própria indefinição. 
"O AMOR que eu te tenho é um afeto tão novo Que não deveria se chamar AMOR De tão irreconhecível, tão desconhecido Que não deveria se chamar AMOR/ Poderia se chamar NUVEM Pois muda de formato a cada instante Poderia se chamar TEMPO Porque parece um filme a que nunca assisti antes/ Poderia se chamar LABIRINTO Pois sinto que não conseguirei escapulir Poderia se chamar AURORA Porque vejo um novo dia que está por vir/ Poderia se chamar ABISMO Pois é certo que ele não tem fim Poderia se chamar HORIZONTE Que parece linha reta mas sei que não é assim/ Poderia se chamar PRIMEIRO BEIJO Porque não lembro mais do meu passado Poderia se chamar ÚLTIMO ADEUS Que meu antigo futuro foi abandonado/ Poderia se chamar UNIVERSO Porque sei que não o conhecerei por inteiro Poderia se chamar PALAVRA LOUCA Que na verdade quer dizer: aventureiro/ Poderia se chamar SILÊNCIO Porque minha dor é calada e meu desejo é mudo E poderia simplesmente não se chamar Para não significar nada e dar sentido a tudo".  

 "Não deveria se chamar amor", Paulinho Moska.


¹Álvarez de Azevedo, "Amor" http://www.revista.agulha.nom.br/avz.html#amor 

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Sonho Meu

O sonho e a realidade são dimensões relativamente distintas, onde o primeiro explora o "eu real", ultrapassando a barreira da aparência e da sociedade. Nesse plano, alcançamos e exercitamos a plenitude de nossos poderes, alimentando nosso desejo de procurar coisas maiores e melhores. No entanto, quando sonhamos um sonho já idealizado por outra pessoa, que não se encaixa em nossa realidade, acabamos presos e impedidos de prosseguir. É o caso das novelas, que se encarregam em criar um modelo de vida ambicionado pelo público, entretanto, que proporciona metas inatingíveis. A maioria da população utiliza a televisão como meio de entreterimento e fonte de informações básicas. As intuições e insights sobre as coisas se perdem no assitir incessante e nos papos familiares que se baseiam no que é visto na TV. Assistir a esse aparelho e a sua programação virou um hábito e hábitos são enganosos.  Essa semana mais uma novela foi ao ar e é "surpreendente" a trama girar em torno da elite carioca ou da busca da protagonista pobre (para os padrões televisivos) em mudar sua vida, entrando para a mesma elite retratada. Cria-se a ilusão que no decorrer da novela particular de cada um o final será triunfante, quando na verdade, raramente isso acontece. A maior parte da população possui uma carga horária de 40 a 44 horas, esforço exigido para que se viva com o mínimo de conforto, o que acaba consumindo tempo e espaço antes reservados para planejar o futuro. Assim, sem tempo para sonhar e exercer sua individualidade o indivíduo se projeta na evolução dos personagens televisivos e vive um sonho que não o pertence. Não é à toa que somos cercados por pessoas descaracterizadas que tentam a todo custo se enquadrar nos estereótipos encontrados nos roteiros televisivos. 

Um abraço,

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Almoço de Domingo

Como minha avó morava em Agudos, no interior de São Paulo, dificilmente a mesa da sala de jantar ficava cheia. Somente em dias especiais, quando todos separavam alguns dias de folga, que ela criava vida. Mal passávamos pela porta que o cheiro do cupim invadia nossas narinas e deixava água na boca. Ao sentar na mesa a primeira coisa que saltava aos olhos eram as douradas batatas gratinadas, que eram disputadas à tapa, quer dizer, à garfo. Esse era o típico prato de domingo, cupim com batatas, uma combinação perfeita, que nos fazia esquecer do calorsão interiorano.


Essa receita está disponível na página "Da Vovó"!


Um abraço,

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Atrás do Reflexo

Sempre acordava às seis da manhã, amargava seu café como só os bons fazem, mesmo em dia de chuva, e discutia ferrenhamente com seus irmãos quem seria incubido de lavar a mísera louça que estava em cima da pia. Depois da vitória triunfante, olhava-se no espelho e divagava em pensamentos cercados de esperança sobre um futuro bom. Logo em seguida, despedia-se de sua mãe, com o mesmo beijo rotineiro e maroto de sua infância e partia para a vida. Mas, naquele dia, em meio à discussão e aos pensamentos, deparou com uma novidade que estava escancarada em seu espelho. Percebeu que tudo havia mudado, o cabelo castanho agora era loiro, a pele rosada agora estava encoberta por pintas e os arcos escuros em volta dos olhos eram evidentes. Notou que cada nova linha de expressão escondia uma crise, uma vitória, uma experiência. Seu sorriso estava mais sutil, talvez menos sincero, e em seu olhar só observava um maior grau de miopia. O que não havia mudado eram os sonhos que, ainda assim, profetizavam um final feliz. Talvez tivesse se tornado mais persistente, mas chegou à conclusão de que apenas não havia perdido a fé. Entristeceu-se  com a voraz força do tempo, mas viu em seu reflexo a possibilidade de pelo menos terminar sua história.


Um abraço,