quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Chico Estrela

Mariana Marcelino (irmã) e Francisco Wada (Chico Estrela).

Era férias de verão. Pela janela do meu quarto vi uma cena inusitada. Como todo oriental, meu avô tinha modos conservadores e excessiva serenidade. Costumava passar as tardes vendo televisão usando sua marca registrada: uma confortável regata branca que permitia que seu pequeno corpo se movimentasse livremente. Nesses momentos fazia o que queria, espirrava escandalosamente e dormia, mesmo sentado. Sua arredondada cara e nariz característico não negavam suas raízes, era um típico japonês. Costumávamos chamá-lo de Chico Estrela. Não era carinhoso, mas nos surpreendia com delicados beliscões, sua forma de mostrar afeto. Fanático por futebol, ao assistir os jogos de seu time e presenciar uma vitória dava alguns brados de alegria, mas suas finas e fracas pernas não o deixavam passar disso. Sempre foi sábio e se algo não lhe agradasse, seu olhar falava por si só. Como todo avô, ele também amanhecia rabugento, mas na maior parte do tempo era dono de uma serenidade e paciência sem igual. Nos poucos momentos em que o abraçava o que mais me chamava atenção era o aroma forte e ao mesmo tempo suave que seu abraço tinha. Ele era a coluna de nossa família, nele todos confiavam. Lembro-me que naquele dia meu avô dava gargalhadas tão fortes, que seu corpo pendia para trás; quando me aproximei e peguei em sua mão me surpreendi: as peripécias do Chaves haviam desmoronado toda seriedade que o velho Chico conservava.

*Texto escrito em 2006. Homenagem à  Maria Elisa, Maria Cristina e Maria Alice (tias e mãe).


Um abraço,